quarta-feira, 26 de julho de 2023

UM PRESENTE DIFERENTE



- Aninha, você sabe que o Raul, seu irmão, é o namorado mais fofo e romântico que já tive, né? Lembra que no Natal ele me deu de presente um pé de samambaia, em um vaso de xaxim, a coisa mais linda?  Na área de serviço, ficou uma beleza. Lembra que no dia dos namorados deu-me aquele pé de espadas de São Jorge, em um vaso de cerâmica, que coloquei na sala? E, no dia dos professorfes, um pé de pimenta decorativa, em um vaso de madeira. Na pia da cozinha, ficou um charme.

- Imagino. Meu irmão tem um grande amor pelas plantas e pela natureza.

- Pois é, amiga, não me leve a mal, mas meu aniversário está se aproximando e eu gostaria de ganhar uma coisa diferente. Não só pela surpresa, mas também porque não tenho mais lugar no apartamento para colocar plantas. Falta-me coragem de dizer isso ao Raul. Receio magoá-lo.Você não podia, com todo jeitinho, sem ele perceber que conversou comigo sobre o assunto, falar isso para ele?

No outro dia, Clara  liga de novo para Aninha e esta confirma que falou com o irmão, tomando todos os cuidados recomendados pela cunhada.

- Ele me garantiu que vai comprar um presente diferente.

No dia do aniversário, chega Raul na casa de Clara, tendo em mãos o presente, que, pelo formato, ela deduziu não ser uma planta. Abre o embrulho, ansiosa. Era um pacote de adubo.  

quinta-feira, 4 de junho de 2020

"SEU" CAVEIRA

Alto, curvado, magro, ossos sobressaindo  sob as roupas, cabeça grande, careca,face de olhos encovados e lábios grossos; andar arrastado, uma das pernas duras. Quando aquele homem, de idade indefinida ( 40, 50 anos?) começou a trabalhar na zeladoria da escola, despertou receios. Os pais aconselhavam os filhos a manterem distância dele; as crianças mais novas tinham medo; os adolescentes, com a irreverência de sempre, apelidaram-no de “ Seu” Caveira.
A época era propícia a paranóias, já que há algum tempo a cidade vivia sobressaltada com a ação de um assassino em série que já matara três estudantes, crimes cometidos sempre perto de suas escolas. Não só a aparência, mas o comportamento furtivo de “ Seu” Caveira contribuíam para estigmatizá-lo.
Certa tarde, a emissora regional de TV, de grande audiência, passou reportagem  anunciando a prisão do assassino. A imagem inicial, mostrava policiais ladeando, para espanto, e talvez não surpresa, da população daquele bairro, a sinistra figura de “Seu” Caveira. O delegado titular adiantou-se:
- Antes de apresentar o criminoso e falar sobre as investigações, gostaria de ressaltar o trabalho de um policial cuja experiência e  intuição o levaram a prever o local em que o assassino atuaria. Após um mês de camuflagem e paciência, conseguiu prendê-lo no momento em que se preparava para cometer novo crime.
Após dizer isso, o delegado pediu que o policial se apresentasse às câmeras. Era o “ Seu” Caveira.
     

sábado, 4 de maio de 2019

Homem ao volante

Era uma vez um homem que só andava de ônibus  e sonhava um dia em ter um carro.Após muitos sacrificios e economias, comprou-o .
Passava, então,pelos pontos de ônibus e ficava feliz por não estar mais ali,sob o sol, a chuva  atormentado pela angústia das esperas.
Pouco tempo depois, passou a sonhar em ter um carro novo.Após muitos sacrifícios e economias, comprou um . Do tipo popular, porém, zero quilômetro:  mais confortável,mais potente,mais bonito.
Quando cruzava, então,com um carro velho, felicitava-se por não estar mais dirigindo uma lata velha, fedida, de má aparência.
Não demorou para que o sonho novo fosse um automóvel  de categoria melhor, mais impactante. Realizou o desejo . Cruzando, então, pelos  populares, mesmo novos, orgulhava-se de estar a um volante de melhor gabarito.
À medida em que melhorava de vida, o homem cansava-se do seu padrão de  transporte . Obteve, então, o jatinho,que certo dia derrapou na pista de aterragem e bateu em um hangar. Ele não morreu,mas ferimentos nas pernas tornaram-no paraplégico.
Era uma vez um homem que sonhava em voltar a andar. Mas isso estava fora de suas possibilidades

quarta-feira, 10 de abril de 2019

As dimensões de Deus



Assim que  foi confirmada a existência daquela galáxia, com um trilhão de quilômetros de extensão, e planetas e estrelas milhares de vezes maiores do que a Terra e o Sol, o cientista Din Hommer começou a e ter uma crise espiritual.
Desabafou com o colega Franck Lax:
- Eu era ateu. Essa descoberta fez-me acreditar na existência de Deus. Afinal,  como descrer que  não haja  um ente poderosíssimo por trás de realizações  tão gigantescas? Como imaginar que coisas assim surgem espontaneamente? Ao mesmo tempo, senti-me desesperançado. Por que esse ser , de dimensões cósmicas, com  todo um universo gigantesco a  lhe chamar a atenção, prestaria atenção em mim, criatura a seus olhos microscópica?
- São exatamente essas dimensões de um gigantismo inimaginável que devem levar-nos a crer nas atenções de Deus para conosco- respondeu o amigo.
- Como assim? Indagou Hommer.
- Porque  quem faz o mais, faz o menos.

A extinção do diabo



Então, aconteceu. O pecado atingiu todos os homens. O Diabo ficou eufórico.
- Venci! A luta contra o Bem! A luta contra Deus!- gritava nas profundezas.
E Deus, ao ver que  ele não tinha mais utilidade como tentador dos homens, o extinguiu.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

A mãe, o túmulo e a árvore


Naquela manhã de alto verão, ao chegar no cemitério, viu trabalhadores cortando a frondosa árvore próxima do túmulo de seu filho. Ela protestou.Os operários não interromperam o serviço, feito sob sol forte. Sugeriram-lhe que fosse reclamar na administração. Foi.
- A retirada da árvore precisa ser feita, minha senhora. As raízes estão forçando as tubulações subterrâneas de água e podem rompê-las- explicou o administrador.
Ela decidiu queixar-se ao secretário de obras, chefe do administrador. Ele explicou que nada poderia fazer, por ser o serviço técnicamente necessário. Resolveu, então, reclamar ao prefeito, amigo da família ,que a recebeu em seu gabinete.
Após consulta ao secretário de obras, o prefeito disse-lhe que não poderia atendê-la.
- Mas não se preocupe. No lugar da árvore, mandarei fazer um lindo canteiro de flores- consolou-a.
Não argumentou. O prefeito não a entenderia; ninguém, a entenderia. No outro dia amanheceu,, fincado na lateral da tumba,  um objeto que ficaria ali, por todo o verão: um guarda-sol.

O santo esquecido


São Frei Sisto, de Pueblo Rojo tinha sido canonizado havia 500 anos e o motivo fora o martírio. Recusara-se a entregar, a um bandoleiro, o cálice de ouro sagrado de sua igreja e fora morto . Nestes  casos, a Igreja Católica não exige milagres para canonização.Ocorreu um martírio.
Pueblo Rojo não existia mais. A cidade fora destruída em uma das guerras coloniais deflagradas logo após sua canonização. Por isso, não surgira uma tradição de devotos que invocassem a intercessão de São Frei Sisto junto a Deus, por milagres. Era um santo sem milagres, esquecido, lembrado apenas nas raríssimas vezes em que alguém lia a hagiografia oficial da Igreja
Mas naquele dia, São Frei Sisto tinha certeza: havia sido invocado. Foi, ansioso,  ao local de onde lhe dirigiram a oração. Era uma igreja, em Assis. Uma garotinha, de cerca de quatro anos, pedia que seu cãozinho sarasse de uma doença muito grave. . Orava sob a imagem de São Francisco, cujo nome pronunciara errado.