quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O ator



Quando o grande ator brasileiro Tarcísio Roberto sofreu o derrame , eu estava na Italia, cumprindo contrato com uma companhia cênica de lá. Só voltei ao Brasil três meses depois e resolvi  visitá-lo em sua casa.
Não éramos amigos; tivemos poucos contatos, mas não poderia deixar de, como colega, prestar-lhe pessoalmente minha solidariedade.Antes de levar-me até ele,sua mulher pediu que não falasse sobre teatro. Compreendi. O derrame o deixara impossibilitado para atuar. Seria um assunto traumático.
Conversamos sobre amenidades.Notei que, a não ser por ligeira paralisia no lado esquerdo do rosto  e dificuldade para pronunciar certas palavras, a moléstia não o deixara com sequelas físicas muito acentuadas.
- Até outro dia. Espero vê-lo,novamente, em ação- disse-lhe, ao me despedir.
Ao ouvir a palavra ação, seus olhos  brilharam. Levantou-se da cadeira.
-  Sim. Fui Júlio Cesar e Henrique VIII, de Shakespeare! Fui Édipo Rei, de Sófocles. Fui Ulysses, de Homero!Eu sou..
Calou-se. Sentou-se, as duas  mãos  espalmadas no rosto e cabeça baixa. Sua esposa , com um sinal,pediu que nos afastássemos. À caminho do portão, explicou-me:
- É por isso que evitamos dizer qualquer  coisa que o faça lembrar-se do teatro. Sua maior angústia não é a impossibilidade de representar. É lembrar-se de todos os personagens que  foi e não recordar quem ele é.


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