No
dia em que o autista e sua mãe passaram a viajar naquele ônibus, os passageiros
habituais acharam interessante a quebra de rotina. Porque o jovem, falando
sozinho o tempo todo, em voz alta , com
o timbre indefinido próprio dos adolescentes, apresentava um repertório verbal
variado a cada viagem. Um dia,
transmitia uma partida imaginária de futebol, imitando os estilos e cacoetes
dos narradores de rádio ou TV. Em outro, animava um programa de calouros,
alternando-se no papel de apresentador , de artistas, cuidando , por vezes, de acrescentar
o ruído do auditório. E havia aquelas ocasiões em que vocalizava uma sucessão
de filmes de desenhos animados, com todos os crás e cabruns a que
tinha direito.
Após
um mês, entretanto,aqueles 45 minutos em que ficavam impossibilitados de uma
conversa entre si; uma soneca ou a contemplação silenciosa da paisagem,
passaram a representar para os passageiros um incômodo diário.. Mas, quem
ousaria queixar-se; quem seria tão desumano a ponto de exigir silêncio do autista,
que a mãe levava em viagem ao trabalho por não ter com quem deixar? Nos três meses que se seguiram, a audiência
de início divertida e curiosa transformou-se em silencioso mau humor.
Até
que, em uma segunda-feira, a mãe embarcou só. No rosto, as marcas da maior das
tragédias que podem atingir uma mãe. Ninguém perguntou nada. A tristeza da
mulher contaminou o percurso. Na viagem da terça-feira, também não se comentou
nada. Mas as conversas paralelas, as sonecas e contemplação silenciosa da paisagem voltaram e deixavam nítida a sensação de alívio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário