terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O autista



No dia em que o autista e sua mãe passaram a viajar naquele ônibus, os passageiros habituais acharam interessante a quebra de rotina. Porque o jovem, falando sozinho  o tempo todo, em voz alta , com o timbre indefinido próprio dos adolescentes, apresentava um repertório verbal variado  a cada viagem. Um dia, transmitia uma partida imaginária de futebol, imitando os estilos e cacoetes dos narradores de rádio ou TV. Em outro, animava um programa de calouros, alternando-se no papel de apresentador , de artistas, cuidando , por vezes, de acrescentar o ruído do auditório. E havia aquelas ocasiões em que vocalizava uma sucessão de filmes de desenhos animados, com todos os crás e cabruns a que tinha direito.
Após um mês, entretanto,aqueles 45 minutos em que ficavam impossibilitados de uma conversa entre si; uma soneca ou a contemplação silenciosa da paisagem, passaram a representar para os passageiros um incômodo diário.. Mas, quem ousaria queixar-se; quem seria tão desumano a ponto de exigir silêncio do autista, que a mãe levava em viagem ao trabalho por não ter com quem deixar?  Nos três meses que se seguiram, a audiência de início divertida e curiosa transformou-se em silencioso mau humor.
Até que, em uma segunda-feira, a mãe embarcou só. No rosto, as marcas da maior das tragédias que podem atingir uma mãe. Ninguém perguntou nada. A tristeza da mulher contaminou o percurso. Na viagem da terça-feira, também não se comentou nada. Mas as conversas paralelas, as sonecas e contemplação silenciosa da paisagem voltaram e deixavam nítida a sensação de alívio.

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